sábado, 2 de outubro de 2010

Em um banco velho e rabiscado...

Crianças, casais, trabalhadores. Brincando, namorando, vendendo algodão-doce. Algumas pessoas se exercitando e bancos. Muitos bancos espalhados sob as sombras das árvores.  Nada mais clichê do que um parque de uma grande cidade em um dia de domingo. Judith sabia disso, logo, não entendia a razão pela qual todos os domingos ela ia naquele lugar, sentar no mesmo banco rabiscado e observar as mesmas cenas que se repetiam domingo após domingo.
Provavelmente já estava velha demais e era apenas mais uma mania dessas que pegamos com a idade. Ou necessitava do ar fresco daquele ambiente arborizado. Ou então não só gostava, como precisava analisar e até julgar todas aquelas pessoas que ali estavam. Ela não estava nem perto de entender o motivo. E nem queria pensar nisso naquele momento. Estava mais interessada na briga de um casal que fazia piquenique na grama. A mulher reclamava por algum motivo que não chegava aos ouvidos de Judith, que achava graça da situação. Até que a moça, furiosa, deu um empurrão no homem e o abandonou ali, saindo apressada. Ele, sob os olhares discretos e curiosos de quase todos os presentes, enrolou tudo na toalha vermelha e foi atrás dela. Naquele momento, Judith teve certeza de que os dois teriam uma ótima noite.
Para cada pessoa ali naquele parque, ela tinha uma teoria. Algumas muito interessantes.  O homem que levava a amante para se divertir enquanto sua esposa cuidava dos filhos. Mais tarde, quando chegava em casa, cobrava da mulher uma massagem como recompensa pelo difícil domingo de “trabalho”. O casal de lésbicas passeando pelo parque, fingindo serem apenas duas amigas, para não sofrer opressão da sociedade ignorante. Enquanto tentava encontrar o motivo pelo qual o homem que passeava com seu cachorro teria assassinado sua esposa, ela foi interrompida por uma simpática e suave voz:
– Olá! – disse o sorridente velhinho, aproximando-se do banco de Judith – Posso me sentar?
– Claro. – respondeu ela, friamente.
Ela se afastou do centro do banco, indo parar em sua extremidade. O senhor, de cabelos castanhos alaranjados, obviamente mal pintados, sentou-se na outra ponta. Entre eles, a distância a qual um mesmo banco permite existir entre duas pessoas. Em tantos anos de parque, poucas vezes Judith havia tido seus pensamentos e devaneios interrompidos por outras pessoas. Odiava o que acontecia naquele momento, um silêncio constrangedor. Os dois olhando para o nada, sem saber onde pôr as mãos e o que falar. Ela apenas esperava ele falar algo. Já decidira que apenas responderia o que lhe fosse perguntado. Ele tentava pensar em como começar uma conversa com aquela mulher. Até que, com uma incrível falta de originalidade, ele encontrou sua maneira de quebrar o silêncio:
– Você vem sempre aqui? – perguntou ele, timidamente.
– Só isso? – indignou-se Judith– Tem certeza de que é só isso?
– Me perdoe, mas como assim? Só isso o quê?
– Com tantos bancos vazios espalhados por este parque, você senta-se em um no qual há uma mulher, sozinha. Essa mulher que, no caso, sou eu, não puxou conversa com você. Logo, esperava-se que você, como um cavalheiro que deveria ser, iniciasse e desenvolvesse junto a ela um interessante diálogo entre duas pessoas maduras e experientes. E você me pergunta se eu venho sempre aqui?! Por favor...
Depois do desabafo, ela respirou fundo, em mais um sinal de total desaprovação. O homem que estava sentado ao seu lado estava decidido a não falar mais nada com aquela mulher grosseira. Pensou em levantar e ir embora, mas foi surpreendido por ela.
– Sim. Há mais de sessenta anos. – disse Judith, ainda olhando para o nada, com certo ar de conformação.
– O quê há mais de sessenta anos?
– Ora, estou apenas respondendo a sua pergunta. Eu venho aqui todos os domingos, religiosamente. Faço isso há mais de sessenta anos. E sento sempre nesse banco. Nesse mesmo banco.
– Você deve ter um motivo muito especial para fazer isso há tanto tempo.
– Motivo nenhum. Apenas um hábito. Todas as manhãs eu tomo café. Todos os dias eu escovo os meus dentes. Todos os domingos eu venho aqui. Simples assim. – disse ela, em dúvida se o que acabara de dizer era verdade ou não.
Enquanto o homem digeria a idéia de uma pessoa fazer a mesma coisa, há mais de sessenta anos, todos os domingos, e tentava pensar em algum comentário inteligente sobre o fato, Judith lhe indagou:
– Você acha que Maria e Jerônimo foram felizes? – disse ela, apontando para um coração desenhado no banco, com o nome do casal dentro.
– Não sei. Como saberia? Você sabe?
– Eu acho que foi a melhor coisa que lhes aconteceu enquanto durou. No início foi perfeito, tudo era flores. Depois, com a convivência, os defeitos foram aparecendo e a imagem da perfeição sumindo. O que sobrou não foi suficiente para os dois e a história terminou com uma terrível briga, depois da qual os dois nunca mais se falaram. E assim, Maria e Jerônimo ficaram eternizados somente neste banco.
Durante quase uma tarde inteira, os dois ficaram discutindo e analisando as interessantes teorias e histórias de Judith. Aquele homem estava adorando ouvir aquela mulher. Havia algo excepcional nela. Ele nunca vira pessoa igual. Queria tocá-la, abraçá-la, mas receberia um tapa na cara como recompensa. Preferiu ficar no seu canto do banco. Tinha certeza que aquele domingo jamais seria apagado de sua memória. Estava feliz. Ela estava fazendo algo que jamais fizera antes: compartilhar seus pensamentos. Algo tão particular, mas que aquele velho senhor parecia entender e gostar. Judith queria sentir o perfume daquele, agora, interessante homem. Mas sabia que devia se dar o respeito. Estava gostando da situação. Estava feliz.
– Você analisa cada um aqui. Você conhece ou, pelo menos, acha que conhece tantas pessoas e nem sabe o nome delas. Isso é interessante. Mas, depois de tantas histórias sobre os outros, agora me conte uma sobre você. Ou lhe pedir para falar um pouco de sua vida é ousadia demais? – perguntou ele, curioso.
Judith não queria, mas lhe deu, repentinamente, uma imensa vontade de compartilhar com aquele homem a história de sua vida. Um acontecimento que ela levaria para o resto de seus dias. Respirou fundo, esfregou as enrugadas mãos uma na outra e foi direto para a história, uma viagem no tempo:
– Era 1942. Meus pais, com o dinheiro ganho com a empresa recém inaugurada, a primeira coisa que fizeram foi me mandar estudar nos Estados Unidos. Eu fiquei em uma cidade da Luisiana. Foi lá que eu conheci um homem, - ela fez uma pausa, como se hesitasse em falar – o homem da minha vida. Rick. Richard Auster. Morava naquela cidade desde que nasceu, estudava na mesma faculdade que eu e trabalhava em um bar irlandês. Não sei ao certo o que fez com que nos apaixonássemos de tal maneira, só sei que eu não conseguia imaginar a minha vida sem aquele homem. Nós tínhamos sonhos, planejamos um futuro juntos. Éramos um casal que nunca brigava. Eu o amei como nunca amei antes e nem depois. Dançávamos no meio da rua, sem música. Entendíamos-nos sem palavras. Apenas com olhares. Éramos as pessoas mais felizes do mundo. Porém, a história toma seu rumo final quando os Estados Unidos entra na Segunda Guerra Mundial e leva Rick para o campo de batalha. No porto, um pouco antes do seu embarque, ele me disse a frase que eu levaria para o resto de minha vida. “Nós sempre teremos a Luisiana.”. Eu concluí meus estudos, tive que voltar para o Brasil e nunca mais ouvi notícias sobre aquele homem. Só o tenho em minhas lembranças e sonhos. Mas eu estou velha. Choro quase todos os dias por ter esquecido a cor de seus olhos. Durante todos esses anos, meu amigo, a coisa mais importante que eu tive e ainda tenho é a Luisiana.Ela, com o rosto cheio de lágrimas, começou a dar risadas. Não acreditava que tinha falado tudo aquilo para um estranho. O homem, calmamente, tirou uma velha fotografia em preto e branco do bolso, ficou admirando-a e disse algo que Judith jamais imaginara ouvir:
– Posso eu lhe contar algo agora? – deixou uma lágrima cair em cima da fotografia – Eu já trabalhei em um bar irlandês.
Naquele momento, Judith, finalmente, entendeu o motivo pelo qual 
ela ia naquele mesmo parque, 
sentar no mesmo banco rabiscado, 
domingo após domingo, 
há mais de sessenta anos.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Um blog

Sempre tive vontade de criar um blog.
Meus dedos coçavam de vontade de fazê-lo.
E qual o motivo pelo qual não o fazia?
Simples. Não sabia o que escrever. Não tinha a mínima idéia. Sempre li blogs. De todos os gêneros. De todos os tipos de autores. Mas nunca achei o assunto do meu, pois não queria algo comum. Sempre achei que quando se é igual aos outros, não há a necessidade de existir.

Hoje, 30 de setembro de 2010, enquanto ouço Mr. Tambourine Man, finalmente, criei meu blog.
Isso significa que eu encontrei o assunto dele, correto?
Errado.
Não sei direito o que vou escrever aqui.
Talvez um pouco daquilo tudo que eu já escrevi na minha vida (e que não são poucas coisas). Talvez somente coisas novas e inventadas na hora de postar. Não sei. Nem sei se alguém lerá isso aqui. O fato é que o criei porque perdi aquele sentimento de que deveria fazer algo extremamente marcante, forte. Não. Isso aqui será apenas pelo simples prazer de escrever. Não me preocupo mais com o que os outros pensarão.

Pois é... Achei esse meu início meio pobre, mas não vou apagar porque estou com preguiça de pensar em algo melhor e menos clichê. Foda-se. Agora é esperar por aquilo que minha imaginação ordenar que meus dedos digitem no teclado do computador.